viernes, 31 de mayo de 2019

"A alegria", poema de Ferreira Gullar

Ferreira Gullar es un poeta social brasileño de ahora, uno de los más importantes de la poesía brasileira del XX,

En su poema "A alegria" critica esa visión del vivir como valle de lágrimas, que tanto difundió el cristianismo. Por eso dice él que "la justicia es moral, la injusticia / no". Todo un clamor.

Ferreira Gullar empezó en la vanguardia poética, en el Concretismo, pero se pasó a la poesía de resistencia por el avance de las dictaduras militares, tanto en su país como en toda Latinoaméríca. En su poema "Dois e dois:quatro" habla de las pequeñas cosas de la vida y de la falta de libertad.

A alegria 

O sofrimento não tem nenhum valor.
Não acende um halo em volta de tua cabeça, não
ilumina trecho algum
de tua carne escura
(nem mesmo o que iluminaria
a lembrança ou a ilusão
de uma alegria).

Sofres tu, sofre
um cachorro ferido, um inseto
que o inseticida envenena.
Será maior a tua dor
que a daquele gato que viste
a espinha quebrada a pau
arrastando-se a berrar pela sarjeta
sem ao menos poder morrer?

A justiça é moral, a injustiça
não. A dor te iguala a ratos e baratas
que também de dentro dos esgotos
espiam o sol
e no seu corpo nojento
de entre fezes
querem estar contentes.

Ferreira Gullar, “Na vertigem do dia”. In: Toda poesia. 11ª ed. Río de Janeiro, edit. José Olympio, 2001.

Dois e dois: quatro

   Como dois e dois são quatro 
sei que a vida vale a pena 
embora o pão seja caro 
e a liberdade pequena 

   Como teus olhos são claros 
e a tua pele, morena 

    como é azul o oceano 
e a lagoa, serena 

   como um tempo de alegria 
por trás do terror me acena 

   e a noite carrega o dia 
no seu colo de açucena 

   — sei que dois e dois são quatro 
sei que a vida vale a pena 

   mesmo que o pão seja caro 
e a liberdade, pequena.

Agosto 1964 (Dentro da noite veloz)

     Entre lojas de flores e de sapatos, bares,
mercados, butiques,
viajo
num ônibus Estrada de Ferro – Leblon.
Volto do trabalho, a noite em meio,
fatigado de mentiras.
     O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógio de lilases, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
que a vida
eu a compro à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito policial-militar.
     Digo adeus à ilusão
mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato
     um poema
uma bandeira

     Entre tiendas de flores y de zapatos, bares
mercados, boutiques,
viajo
en un colectivo Estrada de Ferro-Leblon.
Vuelvo al trabajo, la noche en medio,
fatigado de mentiras.
     El colectivo se sacude. Adiós, Rimbaud,
reloj de lilas, concretismo,
neoconcretismo, ficciones de la juventud, adiós
que la vida
yo la compro al contado a los dueños del mundo.
Bajo el peso de los impuestos, el verso se sofoca,
la poesía responde ahora a un interrogatorio policial-militar.
     Le digo adiós a la ilusión
pero no al mundo. Y pero no a la vida,
mi reducto y mi reino.
Del salario injusto,
del castigo injusto,
de la humillación, de la tortura,
del terror,
retiramos algo y con eso construimos un artefacto
     un poema

una bandera

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